Resenha: Ko Shin Moon – Ko Shin Moon (2017)

O meu interesse por música do não-ocidente – aquela que carrega claras características étnico-culturais da sua origem, em especial – começou a relativamente pouco tempo. Foi do jeito mais óbvio e natural para um headbanger: através de bandas de rock e heavy metal israelenses que utilizam alguma referência local (o que forma aquilo que, somado a outros artistas de países da região que se valem do mesmo artifício, caracteriza-se como oriental rock e o oriental metal). E veja bem, isso passa e passou longe de ser um fetiche por alguma arte exótica ou coisa do gênero; para mim, a sensação é, em maior ou menor grau, sempre de reconexão com algo distante, mas familiar.

Honestamente, eu tenho noção de como essas fusões podem ser vistas de forma problemática, pois, no fundo, são sintomas do capitalismo. Deleuze e Guattari descrevem em Capitalismo e Esquizofrenia que o Capital é “uma colagem de tudo que já foi”; um estranho híbrido do ultra-moderno com o arcaico; uma monstruosa entidade lovecraftiana e infinitamente plástica, capaz de metabolizar e absorver qualquer coisa que entre em contato com ele. Mas eu prefiro apenas ignorar momentaneamente esses conceitos afim de ainda assim aproveitar essa experiência de uma maneira inocente.

E o Ko Shin Moon consegue fazer o mesmo religare que me balançou nos grupos roqueiros, só que aqui a mistura é com “música eletrônica”. O duo francês, que se apresentam como Axel Moon e Niko Shin, se utiliza de uma produção moderna que combina sintetizadores analógicos, digitais e sons de instrumentos acústicos (não sei se gravados por eles próprios ou não); além disso, há a inclusão de samplers e field recordings, para evidenciar o frescor do clima regionalista.

As estruturas folclóricas que servem como alicerce para essa musicalidade são até bem distintas, levando a fundo o pretexto de influências orientais, onde podemos identificar ritmos e instrumentos de localidades do norte africano ao extremo sudeste asiático. Muitas dessas associações com micro-gêneros regionais foram muito bem feitas na rede social Rate Your Music, por pessoas extremamente mais entendidas em classificar coisas do que eu, mas admito ter gostado muito da maneira pretensiosa que o próprio duo se define:

(...) Uma longa sucessão de territórios híbridos, paisagens sonoras imaginárias, colagens multicoloridas: Acid Dabke, Turkish-Greek Disco, Cosmic Raï, New Beat Molam, Tibetan Ambient, Synth Wave Hindi Filmi, Rickshaw Dance Music.

A coisa começa empolgante logo na primeira faixa, “Zaffa”, que brinca ao acrescentar acidez e psicodelia (mais do que o habitual) para o ritmo típico sírio-libanês Dabke, popularizado pelo músico sírio Omar Souleyman e usado frequentemente em danças. Na sequência, “çiftetelli”, com sua percussão tradicional e inclusão de variados instrumentos de corda (buzuq, oad, gambus…), alcança de maneira sublime o momento certo para que as batidas eletrônicas e os sintetizadores se conectem com estes elementos e desaguem em “Über çiftetelli”. E é nessa leveza da miscelânea que se encontra o grande trunfo do álbum.

Quando não foca-se nisso, há o uso apropriado dos samplers com canto em árabe – ou em alguma língua oriental próxima -, como em “Dua”, que possui uma levada daquilo que é conhecido como ritmo mahraganat (surgido no Egito). Há ainda várias nunces que dificultam a sensação de monotonia ao dar o play completo nesse disco; caso da intensidade ao final da dançante “Klong Yao Dancing / Klong Yao Racing”, do jazzismo de “14 Kumpa” ou da synthwave transcendental “Goppa”.  Vale destacar a incrível “Pashto / Karachi 2000”, que reune todas as características envolventes que citei aqui e é a minha preferida.

Tracklist:
1. Zaffa
2. Ciftetelli
3. Über Ciftetelli
4. Dua
5. Dabke 91
6. Pashto / Karachi 2000
7. Gabbar Singh
8. Lam Samai Dao
9. Klong Yao Dancing / Klong Yao Racing
10. Lune De Kochi
11. 14 Kumpa
12. Goppa

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