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A estética vaporwave a favor do lado mais extremo da música

Eu tenho a noção que o vaporwave é visto com dubiedade e que a retratação hiper-capitalista não convence a muitos sobre o real direcionamento anti-consumista – ou não – desse movimento contemporâneo; mas, ainda assim, me fascina como é grande o leque de crescimento e o campo estético que essa total ironização pode alcançar. Como exemplos dessa exploração do sarcasmo e aceleracionismo cultural, trago brevemente três obras que, da sua maneira, usurpam as bases de certos micro-gêneros musicais para encontrar um ressignificado extremo.

Cornbread – Live Indonesia 2002 (2016)

A utilização de elementos nostálgicos que remetem a infância é bem escrachada aqui. Sons como a trilha do game Super Sonic Racing ou da série animada Garfield surgem em primeiro plano, porém, de maneira satírica. Esses samplers são usados de uma forma com que o grindcore e o powerviolence presentes aqui (e tecnicamente bem pobres) alcancem algo distante da sua natureza; uma espécie de ruptura do conceito caótico tradicionalmente presente nesses subgêneros metalpunk, através de referências ligadas à pureza juvenil dos anos 1990.

Triste L’Hiver – Faire un Gest (2015)

Logo de imediato, nos deparamos com uma capa apresentando o trejeito kitsch tradicional do gênero, contendo uma estatueta grega low-tech. Até aí, nada de novo, mas ao dar play, uma mistura exótica sai aos fones: black metal com new wave (?). O álbum, em sua totalidade, carrega uma estranha sensação de reclusão e não-pertencimento – características que eu também observo em muitas obras de vaporwave.

É muito curiosa a forma como as canções são construídas, aplicando lentamente uma espécie de modernização de sons toscos e datados, principalmente, através da utilização de percussão robótica e sintetizadores típicos de bandas oitentistas com o intuito de recontextualiza-los em ambiências negativistas. Esse processo de construção sonora descamba para um inusitado blackgaze e que, em faixas como “We Are Two Stars Colliding” e “Over”, parece ainda assim ser um caminho natural para o andamento musical. Essa combinação, da “remodelagem cafona” com algo mais claustrofóbico e furiosamente intimista, parece ser um paradoxo tipicamente cybercultural (ou millennial).

:⚛: – :⚛: (2016)

Eu conheci esta obra por uma lista de um usuário do Rate Your Music que se chama Meditative Harsh Noise Wall. E bem, eu não faço a mínima ideia se o que foi citado lá é irônico ou não, mas esse projeto musical foi o que me saltou aos olhos.

O pseudônimo do artista e o título do álbum representam o símbolo de um átomo e tenho uma trivialidade para contar com relação a isso: ao jogar esse símbolo no Google, as buscas do Youtube logo me resultaram em vídeos sobre a chamada Cura Quântica (prática esotérica que usufrui de elementos da física quântica, através do som, para uma mudança espiritual), onde frequências de 432 Hz e 333 Hz são utilizadas em longuíssimos sons e servem como ferramenta astral para quem estiver disposto a ouvir.

Neste álbum aqui, em suas duas faixas, posso crer que as ressonâncias desenvolvidas em um som estático talvez tenham alguma relação transcendental e imagino que cada pílula de meia hora desta também funciona como relaxamento mental para muitos (e não falo em masoquismo). Se não passa pela sua cabeça essa possibilidade, pense num universo oposto ao nosso, dentro de um multiverso, onde as práticas do que é celestial tem sentido inverso ao que consideramos.

O selo Dream Catalogue em 2016 e o vaporwave como arte conceitual da pós-internet

Teorizar o que de fato seria o vaporwave, como forma de expressão artística, é um tanto difícil, simplesmente por ser algo da pós-internet e com os seus criadores tendo visões tão díspares sobre a proposta do movimento. Seu ponto-chave é a reciclagem estética e uma nostalgia subjetiva, onde a parte gráfica é tão fundamental quanto a música apresentada. O uso de estilos musicais comerciais (como o pop e o R&B) de maneira sampleada se une aos visuais 8-bit, com imagens de softwares antigos, glitches caóticos e referências a grandes marcas ícones do capitalismo.

O (hiper)contexto em que esses elementos são expostos também faz com que o vaporwave seja uma crítica à sociedade consumista, buscando desvirtuar os elementos tradicionais da indústria, citados acima, a fim de gerar um conflito na mente do receptor – como se essa relação aleatória fosse uma overdose imaginária nunca antes sentida. Essa junção de simbologias pode ser vista como uma hiper-realidade (quando há a incapacidade de distinguir o que é real e o que é uma simulação da realidade), podendo ser explicada de forma prática pelo teórico francês Jean Baudrillard, utilizando a Disneylândia como exemplo: “a Disney propõe-se a ser um mundo infantil, a fim de nos fazer acreditar que os adultos estão em outro lugar, no mundo ‘real’”. Essa ideia foi melhor explorada baseando-se nos conceitos do vaporwave por Thiago Miazzo, em um ensaio sobre o tema que pode ser lido aqui e aqui.

Real ou fantasia?

Musicalmente falando, para começar a entender esse labirinto, tome como base os álbuns Eccojams Vol. 1 (2010), de Chuck Person, Far Side Virtual (2011), de James Ferraro e Floral Shoppe (2011), de Machintosh Plus; apesar de ser ainda possível encontrar ramificações que se diferem destes, como o Future Funk e dos lançamentos do selo Dream Catalogue. E esta gravadora, fundada em 2014, merece grande destaque dentro desse universo, pois, a meu ver, é a responsável por trazer artistas que buscam novos caminhos dentro dessa estética e assim se torna o alicerce para o futuro do vaporwave como música.

“o nascimento de um novo dia”

Apesar de não época já ter mais de 50 álbuns em seu catálogo – pra se ter a dimensão da quantidade de material que se é produzido -, o primeiro foco de popularidade ao Dream Catalogue se deu após uma matéria na Rolling Stone que envolvia o projeto 2814, gerando também aclamação em diversas mídias destinadas a sons “experimentais”, além de profundas discussões em fóruns na internet. Pensando nisso, resolvi indicar dois álbuns que saíram recentemente pelo selo:

WosX – Brasil World Cup 2034

O conto, que teoricamente serve como completo na experiência de ouvir o álbum – pela leitura se encaixar nos temas abordados nas faixas -, traz mais dúvidas do que respostas; por ser uma narrativa com tantos elementos brasileiros atuais, escrita por um canadense e baseada obviamente em 2034. O som é o que mais interessa: beats eletrônicos, com samples captados da copa do mundo de 2010 e 2014, áudios com falas em português, instrumentos de samba e sons ambiente. Talvez, pelo conceito vaporwave, esse é um álbum feito em 2016 e para ser ouvido em 2034.

2 8 1 4 – Rain Temple

2814 é um projeto nascido da parceria entre Telepath e o produtor britânico Hong Kong Express. Rain Temple pode ser encarrado como a continuação do aclamado 新しい日の誕生/Birth of a New Day, inclusive trazendo as mesmas referências na capa, além da atmosfera densa e peculiar. A forma com que as fields recordings são encaixadas nas ambiências “futuristas” em “Eyes of the Temple” e “Lost in a Dream”, principalmente, fortalece o clima melancólico do som – e isso talvez seja a maior virtude desde o álbum anterior.

Aquela sensação de não saber por onde pisar, pois a visão está nublada. O frio da vida urbana, a solidão, a chuva que cai lá fora sem precisar de motivo… É como um lugar sagrado distante, em uma realidade que não podemos perceber com nossos sentidos limitados.